domingo, 19 de fevereiro de 2012

Fisioterapeuta brasileiro faz sucesso no Japão



Da infância pobre à consagração no futebol, Alexsander Evangelista sempre insistiu em reinventar o próprio destino. Agora faz o mesmo no mundo da fisioterapia

THASSIA OHPHATA/ALTERNATIVA

Kashima, 30/dez - Entre os jogadores do Kashima Antlers, atual tri-campeão da J. League – a liga profissional de futebol –, ele é conhecido como o “God’s Hand” – do inglês, “mãos de Deus”. Não é por menos. Desde 2007, o trabalho do fisioterapeuta Alexsander Roberto Evangelista tem sido fundamental no desempenho da equipe.
Que o digam os jogadores, como o meio-campista Motoyama, o atacante Marquinhos e outros tantos que rapidamente se “curaram” nas mãos dele. “Sinto-me feliz por ter sido importante na carreira deles”, diz ele, um dos mais respeitados profissionais da área esportiva no Brasil.
Alex, como é mais conhecido, difere pelo tratamento: a reabilitação acelerada. “Os clubes, hoje, perdem muito dinheiro com os jogadores parados. A reabilitação acelerada visa a recuperação rápida, sem cometer imperícias ou negligências”, explica o fisioterapeuta, com a simplicidade de quem sempre insistiu em seguir um outro rumo que o destino indicava.
Se tudo fosse como se espera, Alex não estaria em Kashima (Ibaraki). Talvez estivesse em Nova Iguaçu (RJ), onde nasceu e cresceu. “Tenho orgulho de não ter crescido revoltado com nada. Foi de tudo isso que tirava as forças”, recorda.
Ao perder a mãe, vítima de um câncer, Alex, com 10 anos, viu-se obrigado a seguir, sozinho, a vida. Por iniciativa própria, conseguiu uma bolsa num colégio interno. “Sabia que lá era a minha chance de ter um futuro diferente de muitos amigos que estavam na rua”, revela.
Ao concluir o ensino médio e de volta à casa do pai, enfrentou outro problema. Sem se entender com a madrasta e sem ninguém que pudesse abrigá-lo, passou dois meses morando na rua. “Graças a Deus nunca precisei ser desonesto, trabalhei como camelô, em fábrica de bijuterias”, conta.
Mas, não desistiu. Como sempre gostou de matemática e física, resolveu prestar o vestibular para engenharia. Foi aprovado, mas não tinha dinheiro para pagar a universidade. Em troca dos estudos, trabalhou um período na universidade, até que, ao completar 18 anos, alistou-se no exército. Entrou para o CPOR (Centro de Preparação de Oficiais da Reserva), no Rio de Janeiro. Chegou ao posto de tenente, mas viu a morte do pai, que ao encontrar o filho fardado teve um enfarte e não resistiu. “Talvez ele nunca acreditasse que eu conseguiria, pois éramos muito pobres. Mas eu estava ali, materializado com a minha determinação, como tenente de exército.”
Já poderia ser considerado um vitorioso. Tinha alcançado um importante posto como militar e estava prestes a se tornar um engenheiro. Não para Alex. No último ano da universidade, ele conheceu a fisioterapia. Não pensou duas vezes, largou o mundo das construções para tratar e prevenir as lesões. “Achei que era mais interessante, mais humanitário e menos frio”, justifica ele. Pouco tempo depois, também deixou o exército para poder dedicar-se integralmente à carreira.
Mais uma vez, estava certo. No último ano do curso na Universidade Estácio de Sá, no Rio de Janeiro, foi Alex convidado a participar do tratamento da estudante Luciana Novaes, baleada dentro do campus. O tratamento com a eletroestimulação foi bem sucedido e ele conseguiu reduzir os danos causados à estudante.
O caso repercutiu Brasil afora e o futebol descobriu Alex Evangelista. Logo em seguida foi convidado a tratar o jogador Marcelinho Carioca – na época no Vasco – que estava seis meses sem jogar. Em apenas oito dias o atleta já estava nos gramados e o fisioterapeuta foi contratado para trabalhar no time.

Dedicação 24 horas
Agora, Alex se prepara para o lançamento do seu segundo livro – o primeiro “Eletroestimulação – O exercício do Futuro” foi publicado em 2006. Intitulada como “Reabilitação Acelerada, Mitos e Verdades”, a publicação será lançada em janeiro, no Brasil, pela editora Phorte. “É um tema muito polêmico no esporte e entre os médicos. Não é tirar alguns dias do tratamento e, sim, acrescentar mais recursos para a recuperação daquela lesão”, defende o fisioterapeuta, que também já passou pelo Al Ahli, time do Qatar. “O Kashima é, hoje, um time livre do problema de lesões, muito comuns em todo o mundo.”
A dedicação ao trabalho na equipe, que tem a comissão técnica toda formada por brasileiros, é incansável e de “quase” 24 horas por dia. “Não sou um professor Pardal, a diferença é que busco a perfeição”, afirma ele, que faz questão de atender, pacientemente, todos da equipe. Além disso, ainda encontra tempo de ajudar jogadores de outras equipes japonesas.
Ao ser perguntado se é totalmente realizado, Alex responde que não. E qual é o grande sonho? “Um dia poder ajudar as pessoas pobres. Sei como é difícil ser pobre e não ser ouvido e não ter quem que se preocupe com nós. É um absurdo uma pessoa sofrer, ter dor”, afirma.
No Japão, Alex dá os primeiros passos. Desde outubro, realiza um trabalho de reabilitação num grupo de 30 moradores da região. A maioria destes pacientes já passa dos 50 anos de idade e passam por programas de emagrecimento ou prevenção do enfraquecimento muscular, utilizando, é claro, a eletroestimulação. “Involuntariamente, num país que não é meu, veio essa chance de ajudar. Fico honrado em fazer essas pessoas felizes.”
O fisioterapeuta só se esquece da profissão quando se lembra do único filho, Jonathan, 14, que vive com a mãe em Minas Gerais. “Se estou no Japão, é por causa dele. Quero poder dar ao meu filho um futuro com mais oportunidades.”
O garoto já disse que quer seguir os passos do pai. “Tenho aconselhado que ele seja sempre um homem do bem, verdadeiro e concentrado em suas atividades. Perco noites de sono ao pensar em como me comportar para que seja um bom exemplo”, diz Alex. Uma lição de que é possível mudar, sim, o destino.
[matéria originalmente publicada na edição 41 da "Alternativa Higashi"]
Foto: Alexsander Evangelista quer ajudar as pessoas pobres, que não têm acesso a tratamentos de ponta



Thassia Ohphata/Alternativa e Cedidas/Alternativa

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